Diante da grave crise carcerária no Brasil, temos visto inúmeros dados e diagnósticos do sistema prisional, assim como propostas de atuação. Pouco se veiculou, entretanto, sobre os gastos, que variam muito de região para região. O Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP estima que um preso custe, para um Estado, cerca de R$ 1.500/mês, valor que pode triplicar em presídios federais e chegar a R$ 38.112,31, quando exige construção de uma vaga.
Tomando-se o custoaluno no ensino médio da escola pública em 2014 etapa do ensino com faixa etária bastante representada nas estatísticas prisionais , o valor anual do custoaluno vai de R$ 2.856,96 a R$ 4.908,95, em Roraima. Em São Paulo, fica em R$ 3.792,36 para áreas urbanas. Isto é: o valor do custo por preso do estudo da USP representa R$ 18.000/ano, em contraposição ao máximo de R$ 4.908,95/ano, de um aluno de Roraima.
Os números, ainda que imprecisos, falam por si: gastamos muito com presos e pouco com estudantes. Com superpopulação nos presídios e muitos presos provisórios, ficamos em quarto lugar no ranking mundial de população carcerária. Vem, então, a pergunta: qual é a relação entre nossos baixos índices educacionais, as desigualdades sociais, a elevação da população carcerária, a barbárie em penitenciárias do país e a insegurança crescente nas cidades brasileiras? A resposta não é simples, nem linear, mas há pistas apontadas por especialistas de prestígio internacional.
Em artigo na "Folha de S.Paulo", Avener Prado cita estudos de diferentes países nos quais a opção por "menos Estado econômico e social" é a causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva, o que leva à necessidade de "mais Estado policial e penitenciário". Esses estudos sugerem uma relação positiva entre nações com maior nível de desigualdades sociais e maior taxa de encarceramento por habitante.
Isso nos leva a concluir que precisamos de políticas sociais fortes e eficazes, na contramão do que prevalece no Brasil hoje: diante da grave crise econômica iniciada em 2014, as reformas do atual governo colocam muito foco no ajuste fiscal. A PEC 55, ou "PEC do Teto", traz o risco de não haver aumento real no investimento em educação e saúde, apenas a correção, calculada pelo IPCA, levando a uma queda gradual ao longo dos anos. Uma guerra de estudos levanta argumentos a favor e contra a medida, mas ainda avançamos pouco no debate.
Diante disso, trago para análise a política educacional, decisiva no enfrentamento da pobreza e das desigualdades. Estudo recente da Idados Inteligência Educacional, citado em artigo de Simon Schwartzman, calcula que o Plano Nacional de Educação (PNE), se implantado em sua integridade, representaria 16,4% do PIB em 2014 e 13,5% em 2024, concluindo o sociólogo que 'o rei está nu', e o governo deveria trocálo por política educacional mais consistente e compatível com a realidade econômica.
Como educadora, tenho enfatizado que, com a desvinculação dos recursos para essa área, estamos arriscando mais uma vez o futuro do Brasil, como já ocorreu, ao não priorizarmos a educação nos anos 1970 e 1980. Não podemos ignorar a crise econômica e precisamos melhorar muito a gestão de todos os nossos recursos públicos e privados. Para isso, diversas perguntas devem ser feitas: quais as nossas prioridades? Que país queremos no longo prazo? Bem estar e qualidade de vida para todos, igualdade de oportunidades e consequente busca de equidade são princípios importantes?
As respostas apontarão caminhos mais engajadores e intersetoriais do que se pensarmos só no ajuste fiscal e nas concessões aos políticos e corporativismos. Pareceme que não se trata de desconsiderar o PNE, mas, sim, de exigir de Estados e municípios, na troca dos repasses orçamentários dos programas ou fundos federais, o cumprimento das metas do plano, redirecionando a gestão dos recursos existentes, com prestação de contas e melhoria da qualidade da educação.
É verdade que entre 1995 e 2012 cresceu o investimento na educação, em todos os níveis da federação, só que os resultados de aprendizagem ficaram muito aquém do esperado. São múltiplas as explicações: os indicadores iniciais eram muito baixos; priorizouse o acesso o que justificava a construção de muitas escolas, tornando visível politicamente o investimento , ao contrário da qualidade, que não é uma demanda da maioria das famílias, por terem frequentado uma escola mais rudimentar; ou ainda o fato de o setor público ser burocratizado, sofrer pressão excessiva do corporativismo, não ter equipe técnica qualificada, não orientar a gestão por resultados etc..
Os desafios são enormes, e o Brasil carece de políticas intersetoriais e focalizadas, conectadas às necessidade de cada território e que enfrentem as desigualdades, sejam por região, raça, renda ou gênero. Ao mesmo tempo, é preciso encarar as discrepâncias na infraestrutura das escolas e na valorização e formação de professores. Ou seja, já não é mais possível executarmos políticas únicas e homogêneas para todo o país.
As políticas sociais são hoje um questionamento mundial, diante de pesquisas que apontam o aumento das desigualdades, até em países como os EUA, como mostrou estudo da Oxfam, às vésperas do Fórum Mundial de Davos. Nesse contexto, encaixase a fala de Christine Lagarde, diretorageral do FMI, no fórum, de que a desigualdade social precisa estar no centro das atenções dos economistas, se quiserem um crescimento sustentável e uma classe média forte.
É ironia vir do FMI a advertência para que as políticas de enfrentamento de crises priorizem as desigualdades. Vivemos no Brasil uma crise econômica atrelada a uma crise política, com desdobramentos da Operação LavaJato, em que se descortinou o patrimonialismo do Estado. Revelouse que o compadrio nas relações norteava as decisões de investimentos, originando níveis nunca vistos de corrupção. Somos, infelizmente, uma nação marcada por privilégios, como foro privilegiado para políticos ou divisão entre pessoas com ou sem ensino superior, a exemplo da prisão de Eike Batista, em um país onde só 13% da população conseguiu diploma universitário.
Desigualdades agudas aliadas à falta de políticas sociais não atingem só os grupos mais pobres e marginalizados. Elas geram falta de confiança nas instituições, esgarçamento do tecido social, insegurança generalizada, além de acabarem com as redes de proteção social e de reforçarem a baixa qualidade de serviços de saúde, educação e assistência social. E tudo isso fortalece grupos criminosos, como as milícias urbanas e o crime organizado, que ocupam e administram o espaço vazio deixado pelo "menos Estado".
Em um momento em que pessoas já buscam domicílio fora do país por conta da insegurança em relação ao futuro ou do medo de andar pelas ruas no presente, vem à minha memória a frase convocatória de Eduardo Campos, na campanha 2014: "Não vamos desistir do Brasil!".