Construir um Estado forte, democrático e participativo; formar uma sociedade civil empoderada; e fortalecer a institucionalidade desta sociedade. Estes são três grandes desafios para a atuação de institutos e fundações nos próximos dez anos no Brasil. A avaliação é de Maria Alice Setubal, presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal. Ela participou, em 8 de abril, da plenária de abertura do 6° Congresso Gife sobre investimento social privado (ISP), realizado no Rio de Janeiro (RJ), para cerca de 800 pessoas ligadas ao Terceiro Setor.
A proposta do debate, intitulado de Visões para o ISP 2020, era apresentar uma análise do contexto atual do setor e tratar de tendências e desafios para a próxima década, traçando os rumos a serem seguidos pelas organizações até o ano de 2020. Esta plenária contou ainda com a participação de Bradford Smith, presidente do Foundation Center; Hugo Barreto, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho; Sérgio Amoroso, conselheiro da Fundação Orsa; e Fernando Rossetti, secretário-geral do GIFE.
Para Maria Alice, é um dever das fundações e instituições pensarem em como criar mais institucionalidade da sociedade civil. Um dos caminhos é apoiar as pequenas ONGs locais, investindo na capacitação de suas equipes. É igualmente importante, segundo ela, fortalecer os movimentos das associações locais. “Esse é um trabalho de longo prazo, exige escuta e respeito para que ocorram as articulações. Mas só assim vamos construir uma sociedade civil empoderada, que exija políticas públicas claras e sistêmicas”, relata.
Falta de diálogo e ações conjuntas
Sérgio Amoroso, da Fundação Orsa, apontou que um dos principais desafios é promover uma união entre instituições, organizações, empresas e poder público. “É uma dificuldade terrível fazer um trabalho em conjunto. Se conseguíssemos isso, seria um grande passo”.
Bradford Smith, da Foundation Center, também enfatizou a fragmentação do Terceiro Setor, definindo-o como um arquipélago com diversas ilhas que não se comunicam entre si. “Ao contrário do que costumamos pensar, o Terceiro Setor não é constituído por organizações parecidas e que atuam de uma forma coordenada e com objetivos comuns”, explicou.
De acordo com Maria Alice, o discurso do “meu projeto, seu projeto” precisa ser superado. Hugo Barreto complementou, afirmando que “temos de ser capazes de construir pontes, canais, comunicações entre as diferentes ilhas deste arquipélago”.
Ele destacou ainda que as instituições precisam se inserir em uma agenda estratégica perante os formuladores de políticas públicas. “E nós também devemos abrir as nossas agendas com transparência”, complementou.
Em relação à fragmentação do Terceiro Setor, Maria Alice destacou que um Estado forte, democrático e participativo seria capaz de alinhar a direção do Terceiro Setor, pois traçaria objetivos claros e de longo prazo em suas políticas públicas. “No entanto, ainda hoje, temos de superar uma cultura impregnada de um estado paternalista”, pontuou.
No fim de sua exposição, Maria Alice comentou sobre o que considera como ferramenta útil para superar os desafios elencados no início. “Acredito na importância de trabalhar no território, com populações das periferias dos centros urbanos, marcadas pela alta vulnerabilidade social. Esse trabalho deve ser articulado com uma concepção de desenvolvimento local e sustentável”.
Segundo ela, desenvolvimento local é a geração de riquezas ancorada nos princípios de equidade, sustentabilidade, liberdade e democracia. “É um desenvolvimento socialmente justo, ambientalmente responsável, economicamente competitivo, politicamente democrático e culturalmente diverso”.
Um dos caminhos possíveis para se trabalhar com desenvolvimento local é por meio de fundações comunitárias e fundos comunitários. Para amadurecer essa discussão, a Fundação Tide Setubal lançou no Congresso do Gife a publicação Desenvolvimento Local e Fundações Comunitárias em Áreas Urbanas: desafios e oportunidade. Leia mais aqui <https://fundacaotidesetubal.org.brnoticias/224>.
Seguindo nesta direção, Maria Alice anunciou que a Fundação criará um fundo de desenvolvimento sustentável, a ser implementado neste semestre em São Miguel Paulista, bairro de São Paulo onde vivem mais de 400 mil habitantes.
O propósito é receber investimentos de pessoas jurídicas e pessoas físicas de diferentes portes, interessadas em desenvolver a região e administrar os valores de maneira estratégica para impulsionar e fortalecer atividades produtivas na comunidade. Assim, pretende-se gerar opções de trabalho e renda locais. “Isso é pensar um pouco mais pra frente, ter coragem de adotar novas formas de acoplar novos parceiros em troca de um país mais justo”, esclareceu.