Publicações analisam o panorama da Habitação de Interesse Social por atores privados em São Paulo e no Brasil
Os dois primeiros cadernos de estudo sobre o panorama da Habitação de Interesse Social mostram status da destinação de unidades habitacionais


Qual é o panorama da Habitação de Interesse Social (HIS) em território nacional e, em particular, na capital paulista? E o que governantes entendem sobre essa modalidade de moradia e o modo como se deve desenhá-la para atender à população sem acesso à moradia?
Essas e outras perguntas nortearam o desenvolvimento da pesquisa Monitoramento da Produção de Habitação de Interesse Social por Atores Privados em São Paulo. Com organização em quatro partes, o estudo apresenta estratégias de monitoramento para abordar questões referentes ao controle social sobre a destinação de unidades habitacionais. Consequentemente, esse processo passa pelo perfil de produção – logo, pelo panorama – da Habitação de Interesse Social por agentes privados em São Paulo, assim como a localização dessas unidades e agentes que compõem esse mercado.
Para além de fornecer diagnóstico com detalhes sobre a produção habitacional em São Paulo, a pesquisa busca avaliar a eficácia de incentivos com foco em aumentar a oferta de HIS por parte do setor privado. Para tanto, o levantamento compara o investimento de recursos públicos nessa política habitacional – feitos por meio desses incentivos – com os resultados obtidos. A abrangência de tais indicadores passa por analisar as melhorias nas condições de moradia para a população em situação mais vulnerável.
Qual é o panorama?
Dividida em quatro partes, a pesquisa Monitoramento da Produção de Habitação de Interesse Social por Atores Privados em São Paulo teve dois dos seus primeiros cadernos lançados em março, durante encontro no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap):
Nesse sentido, Fabiana Tock, coordenadora do Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano da Fundação Tide Setubal, que esteve à frente da produção do estudo, falou sobre o que motivou a produção do estudo. De acordo com ela, esse contexto tem como marco o Plano Diretor Estratégico de 2014, por meio do qual a produção de HIS passou a ser realizada, com incentivos, por atores da iniciativa privada. Desse modo, o processo passou a ser controlado pelo próprio mercado imobiliário.
Esse cenário torna-se mais emblemático, então, ao identificar-se aumento na construção de unidades de Habitação de Interesse Social. Para se ter uma ideia, foram construídas 5.748 unidades de HIS em 2010 nas categorias HIS 1 (destinadas a famílias com renda familiar mensal média de no máximo três salários mínimos) e HIS 2 (com foco para famílias com renda familiar mensal média de no máximo seis salários mínimos). Já em 2020, esse número saltou para 49.589 unidades habitacionais da mesma modalidade.
Esse foi o gatilho para o seguinte questionamento: a quem a se destina a política de HIS em São Paulo? “Ela está, de fato, enfrentando as desigualdades ou reforçando as desigualdades existentes na nossa cidade? Foi a partir dessa pergunta que nos juntamos e começamos, no início do ano passado, a trajetória para começarmos a levantar dados e trazer mais evidências e informações, como um convite para podermos sentar com os atores envolvidos e olhar como podemos melhorar essa política”, descreve Fabiana Tock.
Qual é o panorama da Habitação de Interesse Social no Brasil?
O primeiro caderno da pesquisa, cujo título é literalmente Panorama da Habitação de Interesse Social no Brasil, tem como objetivo construir um diagnóstico em escala nacional. Para tanto, o levantamento tem as capitais das unidades federativas (UFs) como ponto de ancoragem, para analisar, de forma comparada, as escolhas de desenho de política habitacional feitas por municípios brasileiros em seus instrumentos de política urbana.
A partir desse questionamento, pôde-se identificar pressupostos como a existência de políticas específicas de estímulo à produção de unidades de habitação de interesse social por agentes privados em todas as capitais brasileiras.
Nesse sentido, o caderno objetiva buscar por diferentes modelos de financiamento da produção privada que podem ser referências para propostas de controles sociais e estatais. Os destaques do estudo são:
- Variação da definição de HIS: municípios adotam diferentes critérios para caracterizar a habitação de interesse social, dificultando padronizações;
- Critérios de renda: a maioria das capitais utiliza faixas de renda para definir quem pode acessar HIS, mas os limites variam bastante entre as cidades;
- Falta de monitoramento: apenas algumas capitais possuem sistemas de monitoramento da produção de HIS;
- Impacto dos incentivos privados: o setor privado recebe incentivos, mas há pouca clareza sobre sua real eficácia na melhoria das condições de moradia.

Imagem com Fabiana Tock, coordenadora do Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano da Fundação Tide Setubal; Bianca Tavolari, coordenadora do estudo sobre o panorama da Habitação de Interesse Social; e Marcella Puppio e Victor Nisida, pesquisadores que participaram da produção do estudo. Marcella e Victor seguram os dois primeiros cadernos da pesquisa.
E o alcance?
Durante o lançamento da primeira parte da pesquisa, Bianca Tavolari, professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP), pesquisadora do Cebrap e coordenadora do estudo, destacou que São Paulo não é a única cidade que prevê política privada para a produção de HIS.
“Os incentivos estão dando certo, no sentido de que o mercado reagiu a eles, mas não é uma política que está atingindo o seu objetivo. Ela ainda tem um problema: quando se fala em HIS, sugere-se que estamos atingindo as pessoas e beneficiando políticas que, de fato, precisariam. Mas, na verdade, não estamos”, pontua.
Desse modo, entende-se que o número de licenciamento do número de unidades de HIS represente avanços na política para contemplar famílias que de fato precisam de acesso à moradia. Mas esse não é o caso. “Para além disso, São Paulo não é um outlier – ou seja, fora da curva. Isso porque estamos concedendo uma quantidade muito grande de incentivos sobrepostos, sem monitoramento, muito mais do que as outras capitais e sem um sistema de monitoramento específico. E não estamos tendo essa discussão [em nível] nacional”, reforça Bianca Tavolari.
Panorama da Habitação de Interesse Social em São Paulo
O caderno Habitação de Interesse Social Privado em São Paulo, a segunda etapa da série, tem como objetivo monitorar a produção de unidades de HIS por atores privados na cidade de São Paulo. Para tanto, a publicação apresenta diagnóstico detalhado desse mercado, destacando o desafio do levantamento dos dados disponibilizados pelo sistema de licenciamento municipal.
Desse modo, as informações de destaque da publicação consistem em:
- Falta de transparência: a partir de 2020, São Paulo adotou o sistema de licenciamento Aprova Digital, que não tem uma base de dados pública correspondente, impossibilitando o monitoramento adequado;
- Expansão da produção de HIS: o número de unidades habitacionais licenciadas cresceu significativamente, mas não há garantia de que foram destinadas ao público-alvo;
- Problemas de controle: o controle sobre quem realmente adquire essas unidades é insuficiente, o que pode desvirtuar os objetivos da política;
- Falta de padrão e subdimensionamento: fragilidade na geração e sistematização dos dados de alvarás que dificultam o monitoramento. Com isso, a identificação e a quantificação da produção de HIS ficam prejudicadas.
Saiba mais
Assista a seguir à íntegra do diálogo sobre os dois primeiros cadernos da pesquisa Monitoramento da Produção de Habitação de Interesse Social por Atores Privados em São Paulo.
Por fim, baixe-os no site da Fundação Tide Setubal.
Texto: Amauri Eugênio Jr.