Folha de S. Paulo – 12/01/2009
“Parece óbvio que, numa situação de crise, o foco deve ser a equidade e os direitos do ser humano; assim, áreas sociais devem ser priorizadas”
NOS ÚLTIMOS anos, um número crescente de governos estaduais e municipais, assim como empresas do setor privado, buscaram implementar ações com o objetivo de promover a redução das desigualdades sociais.
No entanto, 2009 começa invadido por perspectivas pessimistas geradas pelas consequências da crise financeira que assolou o mundo no segundo semestre de 2008.
Prefeitos de todo o país tomaram posse discursando sobre cortes nos orçamentos municipais, embora a maioria deles tenha ressaltado que o social não sofrerá alterações.
Neste ano, teremos a chance de pôr a prova nossa capacidade de maior coerência entre o discurso e a prática, algo que parece óbvio, mas tão difícil de realizar não só nas políticas públicas mas também nas ações empresariais, como mostram inúmeros exemplos da nossa história.
Temos a chance de cumprir compromissos de campanhas políticas e de balanços empresariais, de modo a incluir novos segmentos sociais nas diferentes instâncias de participação da sociedade.
Temos muito a aprender em termos de justiça social e democracia, como construir fortes instituições da sociedade civil, monitorar as políticas do Executivo e do Legislativo e, especialmente, acompanhar os orçamentos públicos.
Nesse sentido, o Movimento Nossa São Paulo tem dado um exemplo de que é possível mobilizar os diferentes segmentos da sociedade paulistana para construir e se comprometer com uma agenda e um conjunto de metas que visem tornar São Paulo uma cidade mais justa e sustentável.
Para que isso se torne uma realidade no curto prazo, é fundamental o esforço de cada um para propor, acompanhar e cobrar as promessas e propostas governamentais, assim como os planos de responsabilidade social das empresas, que não podem apenas cortar investimentos sociais como primeira medida para se proteger da crise.
Parece óbvio que, numa situação de crise, o foco deve ser a equidade e os direitos do ser humano e, portanto, as áreas sociais devem ser priorizadas para não aumentarmos o fosso existente entre as diferentes camadas da sociedade.
No processo de construção de uma sociedade mais justa, chegamos ao consenso de que o investimento em educação é o maior impulsionador da diminuição das desigualdades sociais.
A divulgação de diversas avaliações nacionais e regionais demonstrou que, se há alguma melhora nos nossos indicadores educacionais, eles ainda estão longe de alcançar as metas de qualidade propostas pela sociedade -governo e sociedade civil- como condição necessária para a formação dos cidadãos brasileiros capazes de se integrarem no mundo do século 21.
Esses resultados tornam a cada dia mais urgente a implementação de uma série de medidas que invertam esse quadro.
Nesse contexto, inserem-se várias políticas educacionais, como o cumprimento de uma das metas do Todos pela Educação de aumentar para 5% do PIB os recursos para a educação, assim como, em São Paulo, voltarmos a destinar os 30% dos recursos para a educação, transferindo, por exemplo, para a assistência programas como o Leve Leite, que consome em torno de R$ 200 milhões.
Não podemos deixar que, mais uma vez, programas sociais de sucesso -tanto os coordenados pelo setor público quanto aqueles coordenados por institutos ou fundações do terceiro setor- sejam descontinuados.
As populações que vivem em situação de alta vulnerabilidade começaram a confiar na atuação e na efetividade desses programas. Não temos o direito de frustrá-los novamente e continuarmos apresentando um dos maiores índices de desigualdade social do mundo. “Tinha medo não. Tinha era cansaço de esperança”, como disse Riobaldo em “Grande Sertão: Veredas”.
A construção da cidadania para alcançar uma sociedade mais justa e com equidade passa pelo reconhecimento do outro em sua dignidade pessoal como sujeito de direitos, de modo que todos tenham condições de participar do desenvolvimento econômico, social e político da sociedade.
MARIA ALICE SETUBAL, 57, socióloga, mestre em ciências políticas pela USP e doutora em psicologia da educação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é diretora-presidente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) e e presidente da Fundação Tide Setubal.