Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
A importância da diversidade no mercado de trabalho e em espaços de poder
Por Bianca Pyl / Fotos: José / DiCampana Foto Coletivo Os dados socioeconômicos e educacionais deixam claro a desigualdade racial e socioeconômica que existe no Brasil. E essas disparidades se refletem no mercado de trabalho e em espaços de poder e representatividade, como cargos no Legislativo, Executivo e também Judiciário. Ao ampliar o […]
Por Bianca Pyl / Fotos: José / DiCampana Foto Coletivo
Os dados socioeconômicos e educacionais deixam claro a desigualdade racial e socioeconômica que existe no Brasil. E essas disparidades se refletem no mercado de trabalho e em espaços de poder e representatividade, como cargos no Legislativo, Executivo e também Judiciário. Ao ampliar o leque das desigualdades, essa disparidade atinge ainda mais mulheres negras e pessoas LGBTQI+, principalmente quando há interseccionalidade, isto é, quando uma ou mais condições se cruzam, por exemplo, uma mulher negra, trans e moradora da periferia.
Pensando nesse contexto, a Fundação Tide Setubal trouxe como tema do último Vozes Urbanas de 2019 a diversidade no mercado de trabalho e nos espaços de poder. O evento foi realizado em 26 de novembro, na Unibes, e contou com a participação de Ana Mielke, jornalista e coordenadora-executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social –, que foi candidata a deputada estadual em 2018; Debora Gepp, socióloga, responsável pelo Programa de Diversidade e Inclusão da Braskem e cofundadora da Rede Brasileira de Mulheres LBTs; e Robson de Oliveira, advogado do Escritório Demarest Advogados e membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SP, do Comitê D Raízes no Demarest Advogados e do Fórum de Prevenção e Combate à Discriminação Racial no Trabalho do Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT/SP). A mediação foi feita por Iara Rolnik, gerente de programas do Instituto Ibirapitanga, socióloga e mestre em Demografia.
Na ocasião também foi lançado o Caderno Vozes Urbanas #02 “Desigualdades educacionais: gênero, raça e nível socioeconômico marcam desafios e possibilidades para equidade”. Faça download gratuito da publicação clicando aqui.
Pela primeira vez no Brasil, o número de pessoas negras e pardas nas universidades públicas ultrapassou o de pessoas brancas: são 50,3%, segundo dados do IBGE de 2018, divulgados em novembro deste ano. Nas universidades, privadas o número é de 46,6% de estudantes negros e pardos.
A ascensão de negros e negras nas universidades é resultado de políticas de afirmação. Porém, isso ainda não se reflete no mercado de trabalho e em espaços de poder. Além disso, há poucos docentes negros nos cursos universitários, e a bibliografia das faculdades não contempla autoras e autores negros.
De acordo com Ana Mielke, é necessário o comprometimento da sociedade inteira com a questão racial e com a diversidade para de fato atingirmos a equidade de oportunidades no mercado de trabalho, nos espaços de poder da política partidária e outros, e até mesmo nas organizações sociais. “Temos iniciativas de promoção de diversidade, mas muito pouca equidade, e isso acaba não beneficiando a trajetória das pessoas que trazem a diversidade em seu corpo”, avalia.
Ana Mielke (José / DiCampana Foto Coletivo)
Comunicação e estereótipos
De acordo com a coordenadora do Intervozes, a primeira mulher negra a coordenar o coletivo, existe uma relação direta entre a construção da representação da população negra pelos meios de comunicação e a baixa participação dessas pessoas nos meios de comunicação, seja nas redações de jornais, televisão, revistas, etc. “É difícil sair do estereótipo se você não tem [pessoas] negras nas redações para abordar os temas. Será sempre um olhar do outro, que coloca os negros sempre em papéis subalternos, seja nas novelas e/ou nos telejornais: quantas negras economistas aparecem em um debate sobre economia?”, questiona Ana.
A falta de diversidade é refletida na escolha das fontes que serão entrevistadas pelos jornalistas, nos atores escalados para determinados papéis nas novelas e assim por diante. “A sociedade precisa perceber a invisibilidade dos negros como personagens protagonistas, que não sejam alinhados a um estereótipo – empregada doméstica, vagabundo, malandro e mulheres hipersexualizadas”, exemplifica.
O racismo estrutural é materializado no dia a dia no olhar do outro, que está subjugado a um tipo de subjetividade. “Trabalho com temas complexos, como regulação dos meios de comunicação e tecnologias. Comigo já aconteceu de eu chegar em eventos em que fui convidada para falar e as pessoas não acharem que eu posso debater os temas, pois estranham uma mulher negra falando de tecnologia e regulação dos meios de comunicação”, relata Ana.
Mielke considera também que o branqueamento sociorracial foi uma política de Estado que consistia no apagamento e marginalização completa de pessoas negras – e que adotou, posteriormente, a mestiçagem com a identidade branca para a sobrevalorização da identidade branca.
Representatividade política
Apenas 125 deputados federais na Câmara dos Deputados se autodeclararam negros, ocupando 24,36% das cadeiras da casa, enquanto mulheres representam 15% dos parlamentares, com 77 vagas. Esse número está abaixo da América Latina, cuja média é de 28,8% de mulheres parlamentares nos países da região. Para completar, há um parlamentar e um senador assumidamente homossexuais entre, respectivamente, 513 deputados federais e 81 senadores. Na avaliação de Ana, não existe possibilidade de uma mudança cultural sem impor ações afirmativas.
Para a coordenadora do Intervozes, na política ainda existe a busca por “representar o universal”, que também reflete o racismo estrutural. “Vivemos em um país com população de 54% de pessoas negras, mas ainda se considera que o universal é branco. Em geral, dentro dos partidos, pensa-se que uma pessoa negra só tratará da agenda da negritude, não vai tratar do que é universal. O negro também é universal”, detalha Ana.
Desafios para a inclusão de fato
Vivemos em uma sociedade excludente e as empresas refletem essa lógica: quem ocupa os cargos mais altos são homens brancos, heterossexuais, cis, sem deficiências e de determinada classe social. De acordo com o estudo Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas, feito pelo Instituto Ethos em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pessoas negras ocupam 4,9% dos postos em conselhos administrativos; 4,7% estão em quadros executivos; e elas integram, respectivamente, 6,3% dos cargos de gerência e 25,9% de supervisão. Para efeito de comparação, jovens negros ocupam 58,2% das vagas de trainees e 28,8% dos espaços destinados para estágios.
Os desafios de empresas que querem alterar essa correlação de poder começam pela estrutura física do espaço, de acordo com Debora Gepp, que criou o programa de inclusão da Braskem.
Debora Gepp (José / DiCampana Foto Coletivo)
Para além do espaço físico, a empresa deve criar espaços de formação para os funcionários acolherem a diversidade que se quer criar no ambiente de trabalho. É importante rever questões estruturais, que abrangem desde nome no crachá e placas nos banheiros. “Não é algo simples, como ‘vou contratar amanhã e pronto’. As pessoas precisam de trabalho hoje, mas, para isso, é importante haver um período de transformação e adaptação das instituições”, relata a coordenadora do programa de inclusão da Braskem.
Gepp ressalta como a identidade de gênero afeta o desempenho profissional e deve ser levada em consideração no ambiente de trabalho para haver igualdade de condições. “Tivemos que olhar para coisas muito básicas, como a quantidade de banheiros para mulheres. O número era muito inferior ao de homens, e as mulheres tinham que andar muito mais, ocasionando uma série de transtornos. [É necessário também] incluir também a possibilidade de a trabalhador e do trabalhador poderem utilizar o banheiro de acordo com o gênero com o qual se identificam. Além disso, tivemos que ver fatores como os uniformes e salas de apoio para amamentação”, detalha.
Gepp destaca que apesar de haver iniciativas semelhantes à adotada pela Braskem, a maioria dos empregadores do Brasil é composta por empresas de pequeno e médio porte, que ainda não implementam projetos voltados à inclusão racial e de gêneros.
Acolhimento na prática
É necessário aumentar a representatividade em cargos de lideranças, especialmente de mulheres negras. Porém, deve-se também aumentar a escolaridade desses grupos, já que a desigualdade social reflete no acesso à educação e na qualidade da acessada.
Para além da inclusão, é necessário acolher as pessoas, sejam negras ou LGBTQI+, no ambiente de trabalho. “É preciso incluir, acolher, capacitar e reter essas pessoas. Muitas empresas falam que são inclusivas, mas o que é de fato inclusão efetiva?”, questiona Robson de Oliveira, advogado do Escritório Demarest Advogados e membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SP.
Robson de Oliveira (José / DiCampana Foto Coletivo)
“Colocar pessoas negras em espaços majoritariamente brancos e deixar lá sem nenhum apoio fazer com que essas pessoas desistam e sofram racismo, pois elas se veem como exceção. É necessário ter empatia para entender as necessidades das pessoas, pois piadas e comentários inadequados de cunho racista as fazem se sentir diminuídas. Com isso, o profissional irá adoecer. As microagressões diárias são graves também”, explica.
Robson lembra que a desconstrução do racismo estrutural necessita levar em conta toda a estrutura da instituição, além de que profissionais que ocupam cargos de liderança precisam estar de acordo com isso e passar as orientações corretas para chegar até quem ocupa a ponta da empresa. Ainda, ele considera que empresas podem influenciar a cadeia produtiva nas quais estão inseridas por meio de medidas diversas, como a contratação de serviços e a exigência de que elas promovam também a inclusão de pessoas de grupos identitários em suas empresas. Além disso, ressalta o advogado, tais mudanças precisam ser feitas por motivos éticos e não lucrativos.
Confira a seguir os depoimentos de quem compareceu à edição de novembro do Vozes Urbanas:
“A desigualdade vai além do estereótipo físico e determina os acessos que as pessoas têm desde a base até o acesso físico mesmo dos lugares, como quanto tempo a pessoa demora para chegar ao trabalho, a um museu ou teatro. Esses eventos [como o Vozes Urbanas] são mais do que importantes e precisam acontecer mais, mas não só entre quem gosta de falar disso. Temos que plantar essa semente no lugar onde as pessoas não estão abertas a ouvir isso.” (Gustavo Correa, arquiteto)
“Como uma mulher preta, a desigualdade está no meu cotidiano desde quando nasci. A falta de acesso à educação e a espaço de poder e de decisão impacta o tempo todo em minha vida, e para ocupar esses lugares, eu passo por uma peneira muito mais difícil do que uma mulher branca. Se eu vou fazer um processo seletivo isso vai impactar: não é só a questão racial, mas também a questão de classe por causa de onde eu moro e o tempo que eu demoro para chegar nas empresas. Acho superimportante esses espaços de discussão e precisamos avançar com essa narrativa para espaços onde ainda não está clara a questão da desigualdade racial: avançar para as pessoas que ainda continuam reproduzindo o racismo.” (Mauricélia Martins, psicóloga)
Sobre o Vozes Urbanas
Pelo segundo ano, a Fundação Tide Setubal promove o Vozes Urbanas. Na perspectiva das desigualdades educacionais relacionadas às questões de gênero e raça, os Vozes Urbanas deste ano pretendem compreender a educação democrática e política nos diversos momentos de desenvolvimento pessoal, revelar barreiras sociais que dificultam a ocupação de espaços de poder por mulheres e negras(os) e pensar estratégias de ação relacionadas a políticas públicas nessa área.
Em 2019 já foram realizados seis encontros – os cinco primeiros podem ser lidos no Caderno Vozes.
Para Fernanda Nobre, gerente de Comunicação da Fundação, o Vozes Urbanas é um importante espaço de mobilização dos públicos para as causas defendidas pela Fundação Tide Setubal na sua missão. “É uma forma de qualificar nossos temas, conversar e ouvir as contribuições para pensarmos nossas ações e inspirarmos outras. Este ano decidimos priorizar as questões educacionais de gênero e raça porque enfrentar essas desigualdades é um dos nossos pilares estratégicos.”