A percepção de múltiplos segmentos da sociedade sobre o trabalho do terceiro setor é alvo de dúvidas e avaliação pública sistematizada. Desse modo, questionamentos a respeito do que é feito e do modo como OSCs atuam podem respaldar engenheiros do caos a disseminar informações falsas e a criar um caldo de desconfiança nesse contexto.
Esse cenário foi tema central de estudo da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV ECMI) a respeito do debate nas redes sociais sobre o terceiro setor. O levantamento, que analisou publicações entre janeiro e outubro de 2023, mostrou um cenário predominantemente de desconfiança em relação às OSCs.
O sentimento negativo alcançou 63% das publicações analisadas na rede social X (ex-Twitter), enquanto esse patamar foi de 9% para sentimentos positivos. Já os neutros atingiram 28%.
Segundo o estudo, a mobilização de sentimentos negativos em publicações sobre o terceiro setor resulta de acusações e ilações relacionadas a eventos de corrupção, desvio de verbas e má gestão de recursos provenientes de doações ou repasses governamentais.
Outros tópicos dizem também respeito a descasos, queixas de omissões face a perguntas, alegações de que OSCs governariam a Amazônia e defenderiam interesses de atores estrangeiros. Tais mentiras ganharam tração, entre diversos contextos, por meio de campanhas de desinformação e da razão de ser da CPI das ONGs, realizada em 2023.
Sinais encorajadores
Todavia, em que pese a desconfiança em grande medida resultante do caos informacional, há sinais encorajadores quando se fala na percepção sobre o trabalho do terceiro setor no enfrentamento das desigualdades
Segundo a mesma pesquisa da FGV ECMI, o sentimento positivo identificado em 9% das publicações diz respeito “a iniciativas que envolvem oferecimento de cursos profissionalizantes, oportunidades de acesso a emprego e a lazer, e, sobretudo, a campanhas de arrecadação para causas específicas, como ajuda a refugiados e assistência a animais abandonados.”
Ainda que a percepção sobre o trabalho de OSCs seja influenciado por campanhas sistemáticas de difamação, pode-se dizer que o apoio a projetos com esse teor tem aumentado. Segundo a edição 2022 da Pesquisa Doação Brasil, coordenado por Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) e Charities Aid Foundation (CAF) e realizado pelo Instituto Ipsos, 84% de pessoas brasileiras com rendimento superior a um salário mínimo fizeram doações naquele ano. Em 2020, o percentual era de 66%. Para se ter uma ideia, cálculos do Instituto Ipsos mostram que, somente em 2022, houve R$ 12,8 bilhões resultantes de doações institucionais.
Nesse sentido, a Pesquisa Doação Brasil 2022 aponta a causa da infância como o primeiro lugar na preferência da população brasileira. No caso, quase metade (46%) das pessoas doadoras declararam ter colaborado para essa causa. Outro ponto de atenção nesse cenário: segundo o levantamento, o patamar de doações para a causa de pessoas em situação de rua saiu de 1% em 2020 para 10%.
Transparência como aliada
Uma estratégia obrigatória quando se fala no diálogo das OSCs com os mais diversos segmentos sociais passa pela transparência. Não se trata de uma fala retórica: é um elemento fundamental para a comunidade entender qual é o teor das atividades desenvolvidas pelas organizações do terceiro setor.
Idem sobre quais são os valores envolvidos, quais são as instituições e lideranças apoiadas e a aplicação de valores necessários para manter a infraestrutura organizacional.
E a comunicação de causas?
Outro segmento mandatório nesse contexto passa, obviamente, pela comunicação. Todavia, o foco é ir além da veiculação pura e simples de informações. Neste caso o ponto central não consiste tão somente em comunicar sobre o enfrentamento das desigualdades, mas pensar em formas de comunicação que se aproxime de diferentes públicos, em uma jornada de comunicação que proporcione entendimento e aproximação.
Uma possibilidade, apresentada na publicação Comunicação de Causas – Reflexões e Provocações para Novas Narrativas, é promover conexão com temas concretos e vivências cotidianas das pessoas. Ainda de acordo com o material, outra possibilidade é a busca por pontos de encontro – nesse caso, ao comunicar mais sobre valores que sustentam tais causas. A publicação apresenta também pontos óbvios, mas que devem sempre vir à tona:
- usar linguagem simples e direta, mas sem ser simplista ou superficial;
- recorrer a vocabulário complementar ou alternativo, seja para melhorar a compreensão sobre algum conceito ou para evitar o uso de termos que representem gatilhos.
Por fim, esses pontos dialogam com a perspectiva apresentada pelo autor e estrategista narrativo M.M. Izidoro. De acordo com Izidoro, a afetividade pode ser uma aliada para comunicar causas – e, consequentemente, aproximar o terceiro setor de segmentos variados da sociedade civil. Assim sendo, o foco é chamar a atenção para alguma pauta, por exemplo, e mostrar que existem caminhos para transformar a realidade inerente a ela.
“É quase como mostrar a solução – não só mostrar o problema. É aí que vem a afetividade. Quando se trata só problema, já há os problemas do boleto, do filho na escola, se será demitido amanhã ou não e ficar cansado após três horas no ônibus. Mas, se mostrar a solução e conta a história de alguém que já passou por isso, quase sempre ajuda muito”, finaliza M.M. Izidoro.
Saiba mais
+ Comunicação de Causas – Reflexões e Provocações para Novas Narrativas (publicação)
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Sora Shimazaki / Pexels