Precisamos de letramento socioambiental no Brasil – Fundação Tide Setubal entrevista Amanda Costa
Por Amauri Eugênio Jr. Falar sobre mudanças climáticas e preservação do meio ambiente é trazer para o cotidiano o debate a respeito da nossa sobrevivência. Os sinais de que precisamos rever o modo como nos relacionamos com os lugares onde vivemos precisam ser revistos com urgência – e o tempo para isso está […]
Por Amauri Eugênio Jr.
Falar sobre mudanças climáticas e preservação do meio ambiente é trazer para o cotidiano o debate a respeito da nossa sobrevivência. Os sinais de que precisamos rever o modo como nos relacionamos com os lugares onde vivemos precisam ser revistos com urgência – e o tempo para isso está cada vez menor.
Os desastres ambientais noticiados no norte de Minas Gerais e do sul da Bahia, em Franco da Rocha (SP) e em Petrópolis (RJ) são exemplos recentes de como políticas públicas deficitárias, aliadas à retroalimentação de vulnerabilidades existentes em territórios periféricos, têm influência decisiva em desastres. Em âmbito internacional, manifestações diversas mostram como as mudanças climáticas, aliadas ao aquecimento global, já colocam em xeque a existência de regiões espalhadas pelo planeta. Ou seja, as regiões periféricas são as mais afetadas pelas mudanças climáticas e pelas respectivas crises resultantes delas.
Para mudar esse cenário, que está associado ao racismo climático, conceito segundo o qual injustiças em âmbitos racial e ambiental estão interconectadas, motivam lideranças, como Amanda Costa, 25, diretora-executiva do Instituto Perifa Sustentável e jovem embaixadora da Organização das Nações Unidas (ONU), a mostrar que estamos em uma corrida contra o tempo para repensar os nossos hábitos e a nossa relação com o meio ambiente e o clima.
O Instituto Perifa Sustentável, organização na qual Amanda está à frente, visa mobilizar juventudes em favor de uma nova agenda de desenvolvimento para o Brasil, tendo como ponto de partida a justiça racial e ambiental, e democratizar os temas relacionados à Agenda 2030 – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU – para as periferias paulistanas.
Durante a entrevista da Fundação Tide Setubal com Amanda, realizada em virtude da urgência do tema e do Dia Nacional da Conscientização Sobre as Mudanças Climáticas, data lembrada em 16 de março, Amanda falou sobre os diversos papéis e dimensões na redução dos efeitos causados pelas mudanças climáticas, como desigualdades socioespaciais acentuam os efeitos da crise climática para quem mora em territórios vulnerabilizados e muitos outros tópicos.
Confira a seguir o bate-papo na íntegra.
Conceitualmente falando, o que é mudança climática? Quais são as diferenças conceituais entre mudanças climáticas e aquecimento global?
Mudanças climáticas podem ser caracterizadas como transformações no ciclo de clima do nosso planeta. Por causa dos gases de efeito estufa, o famoso CO2, o Planeta Terra está ficando mais quente. Ou seja, diversas mudanças estão acontecendo em decorrência do aumento de temperatura, causando o que entendemos como crise climática. O nosso atual modelo de desenvolvimento econômico, ou seja, um modelo capitalista fundamentado na exploração e na disputa, faz a Terra pedir socorro e tentar encontrar formas de voltar a esse equilíbrio. E, consequentemente, começamos a ver diversas catástrofes ambientais. Houve, recentemente, inundações no Sul da Bahia; e agora, em Petrópolis [N.R.: a entrevista foi realizada em 21 de fevereiro]. Esses eventos climáticos extremos continuarão a acontecer.
Como é possível analisar essa situação de forma mais pragmática? O planeta Terra tem um efeito natural chamado efeito estufa. Ou seja: de manhã, quando o sol chega ao nosso planeta, ele nutre, faz a vida se desenvolver. À noite, é natural que esse calor saia da Terra e volte para o espaço. Por causa do efeito estufa, é como se uma cápsula de aquecimento fosse criada para todo o calor não ser tirado do planeta – por causa dos gases de CO2 e do gás metano, o efeito estufa fica cada vez mais intenso. Com isso, o calor não consegue sair da Terra, nem voltar ao espaço, resultando no aquecimento global. O calor é bom, mas gera, em diferentes partes do globo, efeitos negativos e externalidades negativas.
O que acontece no outro lado do globo é refletido na nossa sociedade. Conseguimos ver, de efeito mais plausível no Brasil, o aumento de chuvas ou períodos de secas. Há diversas externalidades que acabam potencializando o aquecimento global. O clima está mudando e as diferentes estações não se comportam mais como antigamente. É necessário trazer o sentimento de crise e a terminologia de emergência climática, para trazer o sentimento de que está na hora de agir e está na hora de fazer alguma coisa para reverter essa situação. Muitos estudiosos não falam mais que precisamos de um planeta sustentável. Deve-se olhar para a regeneração. Não é mais apenas pensar em como diminuir os efeitos, mas como é possível revertê-los com o objetivo de manter a vida na Terra. Porque, se continuarmos com esse sistema e com esse modelo econômico, e se não causarmos uma transformação, é provável que não haja mais vida no Planeta Terra.
Falas de atores políticos culpando as vítimas de desastres ambientais tendem a normalizar a ocorrência desses episódios e reduzir a responsabilidade do poder público perante à opinião pública e traçar relação entre escolhas políticas e essa série de eventos? E como o racismo ambiental vem à tona nesse cenário?
O que precisamos no Brasil é de letramento socioambiental. Infelizmente, não há nenhum projeto de educação climática no sentido de capacitar a população para entender de fato o que acontece no nosso mundo. Pode-se ver que discursos neocolonizadores são reproduzidos a todo o instante, nos quais a pessoa mais impactada é colocada no lugar de culpada. Por exemplo: “ah, houve um desabamento, mas não deveria ter construído aquela casa ali, né?” “Ah, houve uma enchente ali e você perdeu, mas quem mandou você colocar a sua casa, a sua moradia, em um lugar de vulnerabilidades? Você poderia ter construído em outro lugar.”
Se normalizarmos esse tipo de discurso, normalizaremos um pensamento neocolonizador, o qual faz a vítima ser colocada como culpada. Muitas vezes, essas pessoas têm apenas uma escolha: ou se render, ou sobreviver. A forma como elas encontram para sobreviver é por meio dessas práticas e dessas atitudes, em uma posição mesmo de sobrevivência.
Quando analisamos a situação do Brasil, pode-se perceber que muitas pessoas estão na condição de vulnerabilidade social por causa de uma dívida histórica. Por que falamos tanto de racismo ambiental e da importância de popularizar esse tema? Porque o racismo é estrutural, ou seja, ele transborda para todas as áreas da sociedade – clima, área ambiental, social e econômica. Quando analisamos o racismo ambiental, percebemos que, primeiro, quando os escravos foram libertos, não houve um plano de reinserção na sociedade – ou seja, eles foram para as margens. Houve um plano de “purificação” da sociedade, mas no sentido de afastar essas pessoas do centro, fazendo-as ocupar a margem.
Como a participação e o protagonismo de quem está nas periferias, assim como de povos originários, podem ser fundamentais para o desenvolvimento de políticas públicas direcionadas à preservação ambiental e, como consequência, ao combate à injustiça territorial, racial e de gênero?
É muito importante que as pessoas periféricas participem dessas construções, debates e reflexões. Porque, primeiro, elas são as principais impactadas. Uma das coisas que sempre carrego em meu discurso é: como falaremos da nossa realidade se não nos dão espaço? Tive, em 2017, a oportunidade de representar a juventude brasileira na COP23. Naquele momento, eu tinha 21 anos, era estudante de Relações Internacionais e estava superanimada para aquela oportunidade.
Mas, logo quando pisei naquele espaço, em Bonn, na Alemanha, fiquei muito incomodada, pois eu não via pessoas parecidas comigo naquele ambiente. Pelo contrário: eu via pessoas mais experientes, de outra cor de pele e classe social, falando sobre as problemáticas da crise climática na minha comunidade, no meu território – ou seja, como a crise climática vai impactar as periferias, as favelas, e como eles podem propor soluções para esses territórios. Mas, por que eu não tinha o microfone e o espaço de fala naquele ambiente? Por que será que eu não via pessoas parecidas comigo dialogando sobre esse assunto? Precisamos falar mais sobre isso.
A partir do momento no qual as pessoas principalmente impactadas têm espaço para diálogo, é possível propor soluções inovadoras, ou seja, que fogem da ótica já colocada e posta, pois são soluções à margem. Assim que voltei ao Brasil, decidi iniciar esse discurso para ampliar a democratização desse tema – estou falando com mais gente preta, de quebrada, sobre crise climática e racismo ambiental. Decidi, logo após dois anos, criar o instituto Perifa Sustentável com o objetivo de fazer todo esse discurso, essa articulação e essas ações de forma mais sistematizada e prática, no sentido de trazer mais transformação ao território.
A Brasilândia é uma das maiores favelas do Brasil e tem mais de 300 mil moradores, mas é uma das principais regiões subrepresentadas dentro do nosso poder público. Quando olhamos a lista dos vereadores, não há representantes do nosso território. Então, articular a nossa população, trazer esse discurso para a base e capacitar a galera do território são as bases para trazer uma transformação social. Não dá mais para deixarmos outras pessoas, que não têm as nossas vivências e o nosso conhecimento comunitário, continuarem um discurso elitista, privilegiado e branco. A galera de quebrada está tendo acesso à universidade e consumindo esse conhecimento técnico.
Além de práticas educacionais e da urgência de revermos a nossa relação com o meio ambiente, quais medidas podem ser adotadas com esse propósito, para mostrar que a preservação ambiental e a mitigação de danos devem ser feitas agora?
Como é possível pensar em soluções para mitigar e adaptar os efeitos da crise climática? Gosto de tangibilizar esse discurso em três pilares porque, muitas vezes quando se fala sobre crises climáticas e racismo ambiental, são termos muito distantes. Às vezes, perguntamos se podemos fazer alguma coisa ou que talvez seja papel das empresas ou do governo. Isso também, mas não podemos utilizar isso como desculpa para afastar o nosso compromisso. Qual é o nosso papel e qual é o nosso dever para mitigar e adaptar os efeitos da crise climática? Fundamentando a resposta em três pilares: o nosso papel individual, o nosso papel coletivo e o nosso papel político.
O nosso papel individual: o que eu, Amanda Costa, posso fazer para lutar contra a crise climática? Como posso ter uma atitude mais consciente e sustentável? Talvez reduzir o meu consumo de carne? Adotando a campanha #SegundaSemCarne? Tirando um dia da minha semana para ter alimentação vegetariana? Talvez tendo consumo consciente? Sempre que eu for comprar aquele cropped bonito, falar: “ah, será que preciso?” Ou posso comprar no brechó? Ou posso trocar roupa com as minhas amigas? Quando eu for a um restaurante, será que preciso mesmo pedir um canudo para tomar um suco ou posso levar o meu canudinho de metal? Posso tomar no copo mesmo, pois está tudo certo? Essas são as mudanças em nível individual – são importantes, mas não causarão a transformação da qual precisamos. Devemos olhar para as mudanças coletivas.
O que acontece? Quando eu começo a adotar uma postura diferente, as pessoas ao meu redor olharão e falarão: “Uau, por que você não come carne? Está relacionado à crise do clima? Significa que se eu tirar um dia da semana para ter uma alimentação vegetariana, cuidarei do nosso planeta? Consigo fazer isso, então, farei também.” Nesse sentido, começamos a fomentar uma transformação coletiva. Vamos supor que essas duas pessoas trabalhem em uma empresa, conversem com o RH e dão uma ideia para o refeitório da empresa ser sem carne às segundas-feiras. Com isso, já conseguimos ampliar esse impacto positivo – e é para todas as nossas ações.
Amanda Costa fala sobre as dimensões para a criação de iniciativas voltadas à preservação climática e ambiental, assim como para o enfrentamento das desigualdades