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Por que precisamos falar mais em promoção da equidade do que em promoção da igualdade?

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24 de janeiro de 2024
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Volta e meia, quando se fala em enfrentamento das desigualdades, expressões como promoção da equidade e promoção da igualdade logo vêm à tona. Ainda que ambas remetam ao enfrentamento das múltiplas dimensões das desigualdades, há diferenças conceituais importantes no que diz respeito a elas.

 

Em linhas gerais, a igualdade baseia-se na premissa segundo a qual todas as pessoas devem ser tratadas de modo igualitário – ou seja, sem distinção. Logo, isso independe de variáveis como gênero, raça ou etnia, orientação sexual, condição social, crença, território de origem e assim por diante. Já a equidade, por sua vez, tem como objetivo eliminar o desequilíbrio existente entre pessoas de contextos e origens diversos, ao considerar as suas particularidades e especificidades. Assim sendo, o foco é garantir que todas elas tenham paridade de armas para poderem agir de modo equânime.

 

Caso não tenha ficado nítido, tente construir mentalmente a imagem por vezes viralizada de garotos em frente a uma cerca tentando assistir a um evento esportivo. Dentro dos parâmetros de igualdade, eles têm um único caixote – alguns conseguem assistir ao evento, enquanto outros não são grandes o bastante para tal. Já na chave da equidade, alguns ganham mais caixotes do que outros, é verdade, mas para garantir que todas essas pessoas tenham acesso ao mesmo horizonte e, desse modo, ao jogo.

 

Agora, que você conseguiu visualizar essa imagem, vamos à lógica da promoção da equidade na prática. Para a Fundação Tide Setubal, por exemplo, a equidade é um dos valores institucionais para orientar os projetos e ações desenvolvidos no enfrentamento das desigualdades. A saber: os outros valores norteadores são democracia, diversidade e colaboração.

 

Compreender para evoluir

A promoção da equidade consiste, então, em processo no qual entes, organizações e lideranças se responsabilizam, em rede, por potencializar grupos e indivíduos de grupos minorizados e vulnerabilizados. E, como é de se imaginar, esse processo está intrinsecamente relacionado a medidas reparatórias.

 

“Diferentes vozes amplificam reparações históricas, pois o mundo que cada pessoa vê  se diferencia a partir de sua história. Pessoas com diferentes histórias iluminarão a realidade a partir de outros lugares. Com isso, reparações históricas têm que dar conta dessa diversidade”, pondera Cassio França, secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife).

 

Nesse contexto, Viviane Soranso, coordenadora do Programa Raça e Gênero da Fundação Tide Setubal, apresenta pontos nos quais a promoção da equidade deve considerar aspectos estruturais quando se fala da disparidade racial. A sub-representação de profissionais negras e negros é notória em diversas áreas, inclusive no terceiro setor e no ISP. Assim sendo, Viviane considera que “a primeira maneira seria uma contratação mais diversa e presente no campo”.

 

“Junto com isso, [precisa-se de] ações internas de letramento racial, com processos formativos, de [criação de] canal de acolhimento, escuta, contratação de fornecedoras e fornecedores, elaboração de projetos e de programas que levem em consideração a intersecção de raça. E também o próprio recurso do investimento social privado para a pauta de equidade racial, que ainda é pouco”, reforça a coordenadora do Programa Raça e Gênero da Fundação Tide Setubal.

 

 

 

Assista ao episódio Qual é o seu papel na luta em favor da equidade?, da série Caminhos: Trilhas Coletivas pela Equidade Racial

 

E a iniciativa privada?

Neusa Lopes, analista de Diversidade, Equidade e Inclusão aponta para o fato de que as organizações precisam compreender os seus respectivos papéis e responsabilidades em âmbito social.

 

“Quando se fala de desigualdade no Brasil, não é possível falar do tema sem olhar para classe, raça e gênero. Precisamos olhar [para esses pontos], pois quando olhamos para a base da pirâmide e falamos de pessoas negras, nós sempre estamos atrás das pessoas não negras. Se fizermos o recorte por gênero, a mulher ainda está abaixo da pirâmide”, reforça.

 

Ainda nesse contexto, Amanda Abreu, cofundadora da Indique uma Preta, consultoria especializada em diversidade e inclusão racial no mercado de trabalho, fala da importância para empresas mudarem a perspectiva no que diz respeito à promoção da equidade. De acordo com ela, rever processos para contratar pessoas negras não consiste em baixar a régua. Na verdade, trata-se de compreender se determinados requisitos presentes em processos seletivos são de fato necessários para o cotidiano da e do profissional em questão.

 

“Durante anos, pessoas pretas, LGBTQIAPN+, PCDs ou indígenas se modificaram para entrar no mercado de trabalho. Mulheres negras modificam seus cabelos – não respeitam a sua estética identitária para ela entrar no mercado de trabalho. Agora é a hora de o mercado de trabalho entender um pouquinho que precisa se modificar para acolher essas pessoas. Senão, ficará muito atrás do que acontece no mundo”, detalha.

 

 

+ Entrevista de Amanda Abreu

 

+ Entrevista de Roseli Faria

 

+ Guia Orçamentos Sensíveis a Gênero e Raça

 

Promoção da equidade e esfera pública

A Constituição Federal de 1988 prevê, a partir de parâmetros previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que todas as pessoas devem ter acesso universal a aspectos básicos à dignidade da pessoa humana. Alguns desses tópicos são, obviamente, saúde, educação, transporte, moradia, alimentação, trabalho e lazer.

 

Nesse sentido, diante das crônicas desigualdades sociorraciais, de gênero e territoriais existentes no Brasil, pode-se dizer que o orçamento público passa longe de ser neutro. Não por acaso, a regionalização do orçamento é uma pauta recorrente quando se fala na promoção da equidade. Idem no que diz respeito a gênero e raça.

 

O guia Orçamentos Sensíveis a Gênero e Raça, desenvolvido pela Fundação Tide Setubal com A Tenda das Candidatas, traz diversos elementos referentes a tais variáveis. Um dos pontos do documento contempla o orçamento público, segundo o qual uma de suas funções e potencialidades políticas intrínsecas consiste em “distribuir os recursos públicos de forma justa por meio de investimentos em políticas públicas que busquem a equidade”.

 

Dentro dessa lógica, Roseli Faria, economista, especialista em orçamento público, considera que não adianta tais direitos estarem na CF88 se não houver recursos para garanti-los. Ainda, é necessário haver regras fiscais e critérios alocativos estruturados para a população conseguir acessá-los. E essa lógica vai além da esfera federal, ao envolver demais segmentos.

 

“Considero fundamental repensarmos os orçamentos, principalmente municipais, a partir da redução das desigualdades. Vamos lembrar que boa parte dos direitos sociais refletidos em políticas sociais e em serviços públicos é tocada no nível do município. A construção de metodologias e a garantia de compromissos dos municípios para buscar também a redução das desigualdades se tornam cruciais. Caso contrário, não conseguiremos alcançar o objetivo de redução das desigualdades sociais”, finaliza.

 

 

 

Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Darlene Alderson / Pexels


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