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O capacitismo nada mais é do que o irmão do racismo, da LGBTfobia e do machismo – Fundação Tide Setubal entrevista Ivan Baron

Por Amauri Eugênio Jr. / Foto: Erivan Lima

 

 

Assistir aos vídeos e conferir as demais publicações produzidas por Ivan Baron torna evidente que é possível falar sobre assuntos complexos de modo acessível e para fácil compreensão. O jovem estudante de pedagogia e influenciador digital aborda de modo bem-humorado e informativo sobre acessibilidade, inclusão e capacitismo.

 

Ao mesmo tempo em que é possível rir do humor ágil que dá o tom em vídeos sobre temas como cripface, ou seja, quando atores sem deficiência interpretam personagens com deficiência, sobre capacitismo e a como se referir a elas e abordá-las, os materiais produzidos induzem os seguidores à reflexão sobre o modo como agem com pessoas com deficiência. A mesma lógica vale para a busca por maneiras para corrigir falhas e desconstruir conceitos defasados e equivocados.

 

Esses e demais aspectos são retratados também no e-book Guia Anticapacitista, no qual ele informa e nos faz refletir sobre o nosso comportamento com pessoas com deficiência. Além disso, conferir os posts dele no Instagram (@ivanbaronn), rede social em que ele conta com mais de 149 mil seguidores, e no TikTok (@ivanvbaron), na qual mais de 244 mil perfis o acompanham, é uma fonte de inspiração para mudar uma realidade para lá de desigual.

 

Essa realidade inglória fica mais evidente ao deparar-se com indicadores como os seguintes: estima-se que quase 70% da população com algum tipo de deficiência não tenha instrução ou conseguido concluir o ensino fundamental, enquanto menos de 30% de PCDs aptas a trabalhar estejam no mercado de trabalho. Batalhar contra essas e diversas outras desigualdades e formas de discriminação formam o norte do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, lembrado em 21 de setembro.

 

Confira a seguir a entrevista.

 

 

No Guia Anticapacitista, você fala sobre a sua formação e sobre começar a cursar pedagogia. Como ter cursado pedagogia te motivou a falar sobre capacitismo nas redes sociais?

 

Acredito que todo(a) professor(a) tenha como missão mediar o conhecimento. Durante a faculdade de pedagogia, melhorei bastante a minha comunicação, adquiri maneiras, técnicas e didática de como transmiti-lo. Uni o útil ao agradável e fiz do limão uma limonada.

 

Comecei a estudar sobre capacitismo e a me aprofundar no assunto. A maneira como quis transmitir o ensino foi o ponto-chave: não optei por uma maneira muito tradicional e quis escolher um novo. O curso de pedagogia me influenciou bastante, me deu muita base de conhecimento para eu ter a minha profissão atual, que é a de criador de conteúdo e, principalmente, de educador social – no caso, educador virtual. Espero que esse aprendizado ultrapasse o ambiente da internet e venha para o ambiente presencial.

 

 

Ainda dentro da sua formação, em qual momento você percebeu que as redes sociais poderiam ser usadas como canal superimportante para falar sobre capacitismo?

 

Eu tive essa noção lá pela metade de 2018, no auge dos movimentos sociais e políticos, pois sentia falta de alguém falando sobre a realidade das pessoas com deficiência, também com foco na violência que elas sofrem – isso até então não era discutido.

 

Comecei a pesquisar sobre o assunto por meio da internet, pois não vi, infelizmente, livros que abordassem o assunto – se houvesse, eram livros muito inacessíveis, com os quais eu não tinha proximidade. Por eu me aprofundar sobre o assunto na internet, também queria compartilhar na internet. Foi a partir daí que criei o meu perfil nas redes sociais, com foco na discussão sobre a luta anticapacista e por uma sociedade mais inclusiva.

 

 

 

Ivan Baron fala sobre como tem sido produzir conteúdos sobre acessibilidade nas redes sociais

 

 

Para quem não tem contato com o debate sobre capacitismo, como ele pode ser explicado? E como funcionam as diversas formas de capacitismo, passando por atitudes “bem intencionadas”, pelo capacitismo institucional e pela discriminação ?

 

Costumo dizer que o capacitismo nada mais é do que o irmão do racismo, da LGBTfobia e do machismo. É toda uma família de preconceito, discriminações e fobias, que não presta e deveria ser expulsa do nosso país e da humanidade. O capacitismo é o preconceito direcionado para as pessoas com deficiência.

 

Engana-se [quem pensa] que é apenas a violência física. Ele é muito inteligente e sistemático e tem várias ramificações: tem o capacitismo institucional, responsável pela retirada de direitos; o capacitismo recreativo, quando a deficiência é usada como motivo de piada e de chacota; tem o capacitismo médico, quando associa a deficiência a doenças. São várias as maneiras como ele se apresenta para a nossa sociedade e para poder se perpetuar.

 

O modo como podemos desconstruí-lo é com inclusão e representatividade de pessoas com deficiência, principalmente quando elas se empoderam – elas conseguem ter mais propriedade para enfrentar o capacitismo. O primeiro tópico é saber da existência do capacitismo, porque senão ele não é divulgado, não tem visibilidade, assim como outras lutas têm.

 

Não quero hierarquizar pautas sociais – muito pelo contrário -, até porque o capacitismo também é interseccional e está aliado ao racismo e à misoginia. Quero dar luz para mais pessoas poderem abordar sobre o assunto. O primeiro passo é ter noção sobre o capacitismo para, após isso, poder combatê-lo e para cada um saber do seu espaço nessa luta e saber do seu local. Se for uma pessoa com deficiência, ela é protagonista, mas se for uma pessoa sem deficiência, ela deve servir como aliada.

 

 

 

Ivan Baron fala sobre exemplos de atitudes capacitistas no dia a dia

 

 

Você fala no Guia Anticapacitista sobre o capacitismo institucional. Quais medidas você considera urgentes para mudar esse quadro?

 

Primeiro, devemos saber que o nosso país é riquíssimo em questão de leis para PCDs. mas não adianta apenas elas ficarem no papel: é necessário colocá-las em prática. Hoje, vemos todas as conquistas, principalmente na área da educação, sendo atacadas, com novos projetos de lei que desconstroem tudo o que conquistamos, um dos exemplos mais nítidos é a questão da Nova Política de Educação Especial, que de especial não tem nada.

 

Como estudante de pedagogia, ressalto a importância de uma política de educação inclusiva, não esse projeto que foi apresentado, pois, com a educação inclusiva, crianças com ou sem deficiência poderão estudar juntas, aprender sobre diversidade e construir uma sociedade mais justa e com equidade.

 

 

Milton Ribeiro, ministro da Educação, tem feito declarações falando sobre o que ele chama de inclusivismo. O que você pode dizer sobre essa lógica?

 

Primeiro, ele não tem nem propriedade para exercer o cargo que ele está no momento. Segundo, ele e o governo que ele representa tentam, a todo momento, criar maneiras para criminalizar a educação inclusiva, sendo uma delas a criação do termo inclusivismo, que não sei nem de onde ele tirou. Ainda mais, ele usou um conceito errado sobre inclusão: segundo o modo como ele fala, parece que é  apenas colocar estudantes deficientes com os alunos sem deficiência.

 

O que pregamos e falamos sobre educação inclusiva é, de fato, colocar estudantes com deficiência, mas não apenas jogá-los: é sobre dar todas as ferramentas necessárias para esse público ter aprendizado e produtividade no ambiente escolar. O melhor disso tudo, da inclusão, é que todo mundo aprende junto, mas com o seu ritmo sendo respeitado.

 

 

O que você pode dizer a respeito da repercussão das Paralimpíadas de Tóquio e como você acha que poderia ter sido a abordagem, pensando na cobertura esportiva?

 

Primeiro, já começa pela falta de visibilidade – não foi um evento exibido na TV aberta,  sendo que o principal público capacitista é o que assiste canais abertos e começou com essa falha. Até que houve comentaristas com deficiência – a maravilhosa Verônica Hipólito, que representou. Por outro lado, a grande massa ainda reproduz comentários capacitistas do tipo: “ah, já merecem ser campeões” e “já são vencedores”. Se fosse assim, eles nem precisariam viajar para Tóquio e as medalhas já poderiam ser enviadas pelos Correios para o Brasil. Não é bem assim: ninguém já é campeã(o) por ter uma deficiência.

 

Eles se esforçam, treinam e têm toda uma preparação para poderem competir nas Paralimpíadas. Fora o pensamento de que as Paralimpíadas são mais fáceis do que as Olimpíadas. Muito pelo contrário: os paratletas enfrentam mais dificuldades pela falta de patrocinadores, por exemplo, e não pela deficiência.

 

 

Salvo exceções, ainda há uma visão estereotipada de pessoas com deficiência em filmes e novelas. Como você considera que a ausência de atores, roteiristas e produtores com deficiência tem relação direta com isso? O que pode ser feito para reverter esse cenário?

 

Isso está muito ligado à questão do crip face, que é quando atores e atrizes interpretam papéis de personagens com deficiência, mas não têm. Será que faltam atores e atrizes com deficiência? Acho que não. Falta um bom preparador de elenco aberto à diversidade e a procurar esse tipo de profissional. A falta de representatividade implica bastante no pertencimento das pessoas com deficiência ao consumirem novelas, séries e filmes. Eu, particularmente, cresci como uma criança que não se via representada no cinema.

 

Quais são as consequências disso? A falta de representatividade e a falta de acreditar que sou capaz de exercer qualquer atividade. Quando uma criança negra se vê na tela do cinema, ela começa a acreditar que é capaz de estar em todos os lugares, sendo um herói, um médico, enfim. Eu, como pessoa com deficiência, não tive essa oportunidade, infelizmente. Cabe a toda a produção de uma obra audiovisual ter o cuidado de dar o local de fala para cada pessoa e não roubá-lo.

 

Acho que um dos motivos para essa prática acontecer é que, infelizmente, esse mercado acredita que pessoas com deficiência não podem atrair audiência e que os nossos corpos com deficiência não vendem e não dão ibope – provamos o contrário. Tanto que há grandes influenciadores com deficiência na mídia: por exemplo, a Pequena Lô e a Maju de Araújo. Nomes nós temos, mas falta a oportunidade ser dada.

 

 

 

Ivan Baron fala sobre dicas para evitar atitudes capacitistas no dia a dia

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