A 28ª Conferência do Clima (COP28), da Organização das Nações Unidas, chegou ao fim em 13 de dezembro. Com realização em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o evento teve os debates sobre combustíveis fósseis como pontos centrais durante as rodadas de discussões.
A resistência de entes diversos sobre a necessidade de reduzir os níveis de emissão de combustíveis fósseis na atmosfera, vide a afirmação feita pelo próprio presidente da COP28, Sultan al-Jaber, segundo a qual “não há ciência” que mostre a importância de eliminar combustíveis fósseis para reduzir o aquecimento global a até 1,5°C, é veemente.
Essa fala, inclusive, vai na contramão do consenso de pesquisas científicas sobre esse mesmo tema, evidenciando notório negacionismo científico e climático, assim como recusa em encarar a realidade.
Ainda assim, o texto final do evento apresentou avanços importantes, mesmo que tímidos. O documento, chamado de Consenso dos Emirados Árabes Unidos, mostra pontos significativos para os países signatários alcançarem a eliminação gradual do uso de combustíveis fósseis em suas matrizes energéticas.
Nesse sentido, alguns pontos relevantes abrangem o compromisso de triplicar o nível de uso de energias renováveis, assim como a duplicação da eficiência energética até 2030. Mesmo que os avanços ainda não sejam notórios, a porta aberta para o fim do uso de combustíveis fósseis entrou no documento como “transição para a saída” do uso de tais recursos.
Assim sendo, essa medida, mesmo não sendo suficiente para alcançar-se o objetivo do Acordo de Paris, é um passo pertinente em favor do uso de recursos energéticos mais sustentáveis e que não agridam o meio ambiente.
Conexão com o racismo ambiental
O debate sobre a redução no uso de combustíveis fósseis passa diretamente pelo debate sobre países poluidores e mais vulneráveis no debate climático. Tem-se como consenso que os países mais vulneráveis, invariavelmente no Sul Global, são os que mais sofrem com os efeitos das mudanças climáticas. E esse ponto é central quando se fala em racismo e em injustiça climática.
Desse modo, organizações como a Coalizão Negra por Direitos compuseram a comitiva brasileira na COP28 para colocar o racismo ambiental no centro de debates em âmbito socioambiental. Tais diálogos passam pelo advocacy em favor da criação de políticas públicas transversais que tenham como pontos centrais o combate ao racismo, a proteção ao direito à vida e, finalmente, a preservação do meio ambiente.
Esse tópico, cuja abrangência vai muito além dos debates que compuseram a COP28, deu o tom dos debates que aconteceram na live Oficinas DesJus: O Ônus da Justiça Climática: Mitigação e Reparação. O evento, que teve realização do grupo de pesquisa Desenvolvimento, Justiça e Cidadania, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Desjus-Cebrap), contou com participações de Andreia Coutinho Louback, jornalista, mestre em Relações Étnico-raciais pelo CEFET/RJ e especialista em justiça climática; e Mariana Belmont, jornalista, organizadora do livro Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil e assessora sobre Clima e Racismo Ambiental do Geledés – Instituto da Mulher Negra.
Durante o diálogo, Andreia Coutinho Louback destacou um ponto elementar quando se fala em racismo ambiental: a relação com o território. “Uma vez que há exposição desigual não somente dessas populações, mas também dos impactos, há como justificativa a localização geográfica. Ou seja, o lugar onde habito e resido é uma zona de sacrifício quanto à ameaça e ao risco para populações específicas. No caso, sobre as quais sabemos o CEP, a cor, o gênero e quais populações são.”
A luta vem de longe
Se o debate sobre a redução do consumo de combustíveis fósseis e a consequente queda nos níveis de emissão de poluentes na atmosfera é muito anterior à COP28 e vai muito além da cúpula, a mesma lógica aplica-se ao debate sobre racismo ambiental.
Durante participação no mesmo evento, Mariana Belmont destacou que a declaração e o plano de ação da Conferência de Durban, em 2001, trazia a dimensão ambiental entre os aspectos fundamentais no combate ao racismo. “O plano e a declaração fazem referência direta ao meio ambiente”, destaca. “O debate ambiental já estava diretamente relacionado à saúde da população negra e ao processo de tomada de decisão. Já havia um debate, uma cobrança e uma denúncia do [contra o] Estado, que evidenciava como problemas ambientais nos territórios já estavam diretamente ligados à saúde da população negra, como a poluição, saneamento básico e falta de alimentos.”
Assim sendo, o tempo em que já se debate sobre racismo e meio ambiente torna as populações mais vulnerabilizadas aptas para o protagonismo nesse contexto. Para Samia Alexandra, ativista pela justiça climática, fundadora da organização Seize the Vote, que visa engajar juventudes de minorias étnico-raciais na política do Reino Unido, e participante do documentário Can I Live?, que propõe debate sobre racismo ambiental, considera que são justamente os grupos mais afetados pelos efeitos das mudanças climáticas, em especial no Sul Global, que devem ser protagonistas nesse debate.
“Se você estiver passando por ondas de calor e demandando por melhores condições de infraestrutura em lares, é seu direito de dizer o que precisa ser feito, ao invés de alguém de fora que não está experimentando isso. Quem não está passando por isso não sabe como é viver e trabalhar em uma área que passa por ondas de calor, desmatamento e mudanças extremas de clima.”, completa.
Responsabilizando-se pelo todo
Outro ponto da mobilização na COP28 correspondeu ao lançamento do Compromisso Brasileiro da Filantropia sobre Mudanças Climáticas.
O documento, que contou com assinaturas de 28 organizações, entre as quais está a Fundação Tide Setubal, objetiva servir então como uma plataforma comum de ação, aprendizado e coordenação de esforços da filantropia brasileira na ação climática.
Por fim, confira mais detalhes sobre a iniciativa no site do Gife.
Assista à Oficinas DesJus: O Ônus da Justiça Climática: Mitigação e Reparação
Saiba mais
+ Entrevista com Samia Alexandra na Plataforma Ancestralidades
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Flickr /European Committee of the Regions