Fundação Tide Setubal
Imagem do cabeçalho
Imagem do cabeçalho

Precisamos falar sobre racismo ambiental para intensificar o enfrentamento das desigualdades

Programas de influência

29 de janeiro de 2024
Compartilhar:

Ao contrário do que vozes que se autodeclaram equilibradas e neutras tentam alegar no debate público, o racismo ambiental existe e é um tema urgente quando se fala na sociedade civil. Um exemplo consiste na prevalência de tragédias cujos vetores são as chuvas, cuja prevalência ocorre em territórios periféricos e marcados por vulnerabilidades diversas. Alguns tristes exemplos recentes consistem nas cenas de destruição que aconteceram na Vila Sahy, em São Sebastião (SP), em 2023, e no Rio de Janeiro, no início de 2024.

 

Outro ponto a considerar-se diz respeito à composição racial presente em favelas. Estima-se que 67% de habitantes em tais espaços sejam negras e negros. Para efeito de comparação, segundo o perfil demográfico no Brasil segundo o Censo 2022, do Instituto Brasilerio de Geografia e Estatística (IBGE), 55,5% da população é composta por pessoas pretas e pardas. Além disso, cerca de 16 milhões de pessoas vivem em espaços com esse perfil. Desse modo, em termos populacionais, seria equivalente à população do Estado do Rio de Janeiro (16,05 milhões), que é a terceira Unidade Federativa mais populosa do país.

 

Assim sendo, vamos à definição de racismo ambiental presente na publicação Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil, do Instituto de Referência Negra Peregum. De acordo com o material, o racismo ambiental “diz respeito sobre quem  são as pessoas que moram nas favelas, morros, nas beiras dos  rios e trilhos, beira de represas das pequenas e das grandes cidades”. Dentro dessa lógica, os dados acima e essa conceitualização explicitam por que é urgente falar sobre racismo ambiental quando o assunto é o enfrentamento das desigualdades.

 

Territorializar e humanizar

Uma dimensão que o racismo ambiental retroalimenta abrange a culpabilização das vítimas – ou seja, da população que sofre com as consequências de desastres ambientais. Diosmar Filho, geógrafo e pesquisador da Associação de Pesquisa Iyaleta, trouxe esta dimensão em entrevista na qual falou sobre o conceito de espaços criminalizados, justamente os visíveis em tragédias humanitárias após eventos climáticos extremos.

 

“Quem está mais acima, morando em uma área de floresta íngreme onde o solo é sedimentar e uma chuva em excesso o levará, estará sujeito a sofrer uma tragédia, pois a política pública não olhará aquela encosta como apta a ser habitada. Não haverá prevenção e ela será culpabilizada, pois, individualmente, se arriscou a morar ali. As condições criadas para se morar ali entram discursos como ‘as pessoas se arriscam demais’”, pondera.

 

Desse modo, tal dimensão dialoga, segundo Amanda Costa, diretora-executiva do Instituto Perifa Sustentável e jovem embaixadora da Organização das Nações Unidas (ONU), é necessário parar de normalizar discursos segundo os quais pessoas optam por viver em espaços de risco por, justamente, haver veemente de culpá-las por tais tragédias. “Muitas vezes, elas têm apenas uma escolha: ou se render, ou sobreviver. A forma como elas encontram para sobreviver é por meio dessas práticas e dessas atitudes, em uma posição mesmo de sobrevivência.”

 

Sobre reparação histórica

Assim sendo, Amanda Costa apresenta também a lógica de que o racismo ambiental é uma reverberação de algo mais profundo – se pensou em racismo estrutural, é isso mesmo. E isso implica em reconhecer um processo histórico que culminou no estado atual das coisas.

 

“O racismo é estrutural, ou seja, transborda para todas as áreas da sociedade – clima, área ambiental, social e econômica. Quando analisamos o racismo ambiental, percebemos que, primeiro, quando os escravos foram libertos, não houve um plano de reinserção na sociedade. Ou seja, eles foram para as margens. Houve um plano de ‘purificação’ da sociedade, mas no sentido de afastar essas pessoas do centro, fazendo-as ocupar a margem”, ressalta.

 

Finalmente, o protagonismo de qualquer debate – e ação – para enfrentar o racismo ambiental passa, obrigatoriamente, pelo protagonismo da população negra. Essa lógica é análoga quando se fala em mudanças climáticas, ao contemplar o papel central e de liderança de populações do Sul Global.

 

Foi o que apontou Samia Alexandra, ativista pela justiça climática e fundadora da organização Seize the Vote, que visa engajar juventudes de minorias étnico-raciais na política do Reino Unido, durante entrevista para a Plataforma Ancestralidades. De acordo com Samia, lideranças econômicas e políticas do Norte Global precisam reconhecer o papel central que têm tido nas causas de desastres ambientais. Após isso, então, elas deverão “dar espaço e palanque para que as vozes de pessoas do Sul Global reverberem”.,

 

“As pessoas do Sul Global têm as soluções, pois elas estão vivendo em meio à crise, sabem o que precisa ser feito e aonde o dinheiro precisa ir. Considero que precisamos valorizar mais as suas vozes. Para mim, esse não é um trabalho difícil de fazer. Considero que as vozes do Norte Global precisam estar mais quietas”, finaliza Samia Alexandra.

 

Saiba mais

+ Entrevista com Diosmar Filho

 

+ Diálogo com Amanda Costa

 

+ Entrevista com Samia Alexandra na Plataforma Ancestralidades

 

+ Por que o IBGE passou a usar a nomenclatura “Favelas e Comunidades Urbanas”?

 

 

 

Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Prefeitura de São Sebastião


Compartilhar:

Notícias relacionadas

Nós utilizamos cookies para melhorar a experiência de usuários e usuárias que navegam por nosso site.
Ao clicar em "Aceitar todos os cookies", você estará concordando com esse armazenamento no seu dispositivo.
Para conferir como cuidamos de seus dados e privacidade, acesse a nossa Política de Privacidade.