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Premiação do Programa Ancestralidades de Valorização à Pesquisa 2024 valoriza os saberes das populações negras e indígenas sobre meio ambiente
A premiação do Programa Ancestralidades de Valorização à Pesquisa 2024 contou também com duas mesas de debates por meio do Seminário Ancestralidades: desafios ambientais e raciais. Saiba mais sobre o evento.
Celebrar e reconhecer os saberes ancestrais afro-brasileiros e indígenas. Este foi o tom da premiação do Programa Ancestralidades de Valorização à Pesquisa 2024. A iniciativa da Plataforma Ancestralidades, da Fundação Tide Setubal e do Itaú Cultural, teve como objetivo apoiar pesquisas que abordam as perspectivas dos saberes ancestrais das populações indígena e negra no Brasil.
A solenidade, que aconteceu no Itaú Cultural, premiou 12 pessoas pesquisadoras cujos projetos apontavam horizontes para a construção de uma sociedade pautada pela diversidade, justiça e equidade.
Nesse sentido, a premiação fez parte do Seminário Ancestralidades: desafios ambientais e raciais. O encontro abordou, então, questões como a luta por justiça climática e a exposição desigual de povos originários e comunidades tradicionais às degradações do meio ambiente.
A primeira mesa do Seminário Ancestralidades: desafios ambientais e raciais teve, então, como tema Os desafios ambientais e a luta por justiça climática: perspectivas ancestrais. Com mediação da jornalista Tatiane Matheus, pesquisadora de justiça climática, gênero e racismo ambiental, a atividade teve presenças de:
- Junior Aleixo, coordenador de pesquisa e dados no Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC);
- João Paulo Lima Barreto, filósofo e antropólogo amazonense indígena do povo Yepamahsã (Tukano) e fundador do Centro de Medicina Indígena Bahserikowi;
- Thales Miranda, arquiteto, urbanista e pesquisador sobre cidades amazônicas, justiça ambiental, racismo e mudanças climáticas.
Igualdade e sustentabilidade segundo valores ancestrais
Durante sua fala, João Paulo Lima Barreto destacou o fato de os povos indígenas construírem relações e conhecimentos a partir da oralidade. Tal abordagem, que difere da perspectiva eurocêntrica, fundamenta a relação que tais grupos têm com o meio ambiente – e com os conhecimentos criados a partir dessa troca. E isso reflete-se, consequentemente, na diversidade intelectual e de cosmovisões existentes no Brasil.
“À medida que não conseguirmos entender essas diferenças como fundamentais, discutiremos a justiça climática ou esses desafios como se fossem algo externo a nós, sobre o qual precisamos intervir para produzir justiça. E seremos incapazes de entender que ela [a natureza] está, por si só, fazendo justiça e não precisa de justiça nossa. Somos nós, humanos, que precisamos de justiça. Logo, pensar em justiça abrange as categorias que criamos – e o clima, por si só, faz justiça”, explica Barreto.
Junior Aleixo, por sua vez, colocou em pauta a relação entre o que se convencionou considerar como grupos que produzem conhecimento e problemas de pesquisa – ou seja, contextos e populações considerados como “objetos” de estudo. De acordo com o pesquisador, a premiação do Programa Ancestralidades de Valorização à Pesquisa 2024 subverte, desse modo, a ordem da separação entre sujeito e pesquisa.
“Queremos destacar o tensionamento da suposta universalidade da ciência. A ciência não é universal: é multiétnica. Pensar a produção de conhecimento em contraposição à perspectiva eurocêntrica, que controla corpos, territórios e sujeitos humanos e não humanos. Se falamos de desafios socioambientais, precisamos falar de conceitos e categorias que controlam a sociedade, territórios e sujeitos humanos e não-humanos”, pondera.
Construção de saberes e mundos
A segunda mesa da premiação do Programa Ancestralidades de Valorização à Pesquisa 2024, cujo tema foi Enfrentando o racismo ambiental: povos negros e indígenas em confluência para fazer mundos, colocou em evidência os impactos e riscos ambientais aos quais as populações de locais marginalizados e vulnerabilizados estão submetidas.
Com mediação da jornalista Maryellen Crisóstomo, ativista dos direitos humanos quilombolas pelo pleno acesso ao território, a atividade contou com participações de:
- Ana Sanches, atuante na Rede Antirracista Quilombação e doutoranda em Mudança Social e Participação Política na Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP);
- Antônia Kanindé, indígena da etnia Kanindé, museóloga e umas das articuladoras da Rede Indígena de Memória e Museologia Social do Brasil;
- Taynara do Vale Gomes Pinho, arquiteta e urbanista, que trabalha com planejamento urbano e regional.
Durante sua fala na premiação do Programa Ancestralidades de Valorização à Pesquisa 2024, Ana Sanches colocou em pauta, então, a importância da produção de dados. Ainda assim, ela trouxe à tona outros aspectos, que passam pelo desenvolvimento de abordagens para evidenciar a construção de conhecimentos afro-brasileiros e indígenas.
“[É necessário] falar a partir do saber e do que tem sido construído também para ajudar com que não apenas políticas públicas. Isso vale também para os nossos saberes, estejam nos lugares por onde perpassarmos. É necessário pensarmos na disputa de narrativa. A chave que nos trará justiça ambiental é a da ecologia negra e indígena, para podermos saber nomear, disputar narrativas e confluir onde estivermos”, reflete.
Antônia Kanindé, por sua vez, ressaltou a importância de se pensar no que se produz e consome no cotidiano e, consequentemente, em como essa perspectiva impacta territórios para além dos centros urbanos. “É importante refletirmos a nossa presença nesses espaços e lugares, assim como tornarmos os nossos conhecimentos parte da universidade, que deve ser pluri.”
Ainda, a museóloga e articuladora da Rede Indígena de Memória e Museologia Social do Brasil ressalta a importância da articulação em âmbito político da população indígena para dialogar – e alertar – governos sobre a necessidade de rever paradigmas socioeconômicos. “Ou senão, como dizem os tukanos, o céu vai cair”, afirma. “Como dizem os demais parentes, não teremos um futuro no mundo. Isso porque o futuro é também, de certa forma, o agora, o passado, o que vivemos. Tudo o que fizemos até agora definirá o que está por vir.”
Finalmente, Taynara do Vale Gomes Pinho fala sobre o fato de saberes sobre arquitetura e urbanismo basearem-se na abordagem vigente nas megalópoles, enquanto as soluções de fora desse eixo, em particular da Amazônia, são consideradas inferiores. “Sempre comento que dentro do campo de arquitetura e urbanismo, sabemos muito das histórias de São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Brasília. Mas quase não estudamos a Amazônia.”
Em paralelo, a arquiteta e urbanista destaca a pertinência do conceito de cidade inteligente. Essa lógica parte, então, da necessidade de reconhecer-se e reparar questões emergenciais para ser possível inovar nesse contexto. Logo, não se pode considerar como inovação o desenvolvimento de “soluções vistas como tecnológicas e inteligentes, mas nem um pouco democráticas, em que não se resolvem questões básicas”.
“Não se olha para a Amazônia para além da perspectiva urbana e para a diversidade que é. Idem com os tipos de territórios que existirão em saberes e vivências. Tenho olhado muito, então, para as perspectivas de resistência e adaptação a partir de ajuste da lente e do repertório”, completa Taynara do Vale Gomes Pinho.
Sobre reconhecimento de saberes
Confira, enfim, as pessoas pesquisadoras cujos projetos foram reconhecidos na premiação do Programa Ancestralidades de Valorização à Pesquisa 2024.
Por fim, assista à íntegra da premiação e dos debates.
Texto: Amauri Eugênio Jr.